Quando se diz guerra fiscal se pretende denominar as disputas entre entes da federação sobre arrecadação tributária em geral. Não se trata de um aspecto positivo, mas sim uma deturpação do sistema federativo nacional.
Sabe-se que a constituição, norma máxima do sistema jurídico, determinou estratégias para a repartição do bolo tributário entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios. Com tal finalidade, de acordo com o texto constitucional, há três estratégias para a obtenção da receita tributária:
I – distribuição de competência tributária ativa (possibilidade de instituir, cobrar e fiscalizar determinados tributos)
II – distribuição do resultado da arrecadação tributária, de forma direta (através dos repasses entre União,Estados e municípios) ou indireta, através da intermediação dos fundos departição, tanto dos estados (o FPE) quanto os municípios (FPM).
III – por fim, tem-se o caso exclusivo do Imposto Territorial Rural, que apesar de ser instituído pela União, os municípios podem, facultativamente, cobrá-lo e fiscalizá-lo, situação na qual terá direito À totalidade da arrecadação do referido tributo.
Obviamente, cada estratégia é determinada de acordo com regras constitucionais e legais que, em geral, visam garantir harmonia entre os entes federativos e resguardar os direitos dos contribuintes.
No que concerne a chamada guerra fiscal, ocorre quando são desrespeitadas as regras impostas e surge um espírito competitivo entre União,Estados e Municípios. Muitas vezes, esse espírito competitivo é originado de disputas políticas e é o resultado da gana arrecadatória dos diversos fiscos da federação.
Porém, desconsiderando os motivos que fundamentam e proporcionam a busca exacerbada por receita tributária, quando se fala em benefícios fiscais, a primeira vista, parece ser resultado positivo para os contribuintes. No entanto, o atual cenário jurídico brasileiro mostra que de fato não o é.
É corriqueiro a noticia de novos projetos de lei ou de emendas constitucionais sobre reforma tributária com o fim de acabar, ou ao menos dificultar, a guerra fiscal. No entanto, enquanto não há solução definitiva para as disputas, o contribuinte se vê como refém da guerra fiscal.
O contribuinte vê-se envolvido por conflitos entre sujeitos que pretendem arrecadar a sua contribuição para o vultoso bolo tributário nacional, por meios que, pelo menos a princípio, são simplesmente benefícios ficais.
As disputas entre o ICMS e o ISS servem como exemplo ilustrativo.
Algumas batalhas da guerra fiscal
O ICMS é disputado pelos fiscos estaduais. Em 1975 foi edita a Lei complementar nº 24 que, resumidamente,condicionava à aprovação de convenio interestadual, votado no CONFAZ a concessão de qualquer isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido,ou qualquer outro benefício. Ou seja, benefícios ficais apenas seriam concedidos mediante aprovação de todos os estados brasileiros.
No entanto, a lei complementar não fora respeitada integralmente por todos os estados que, à revelia do CONFAZ,passaram a conceder incentivos fiscais. Exemplo disso, tem-se o ocorrido no Distrito Federal, através do programa “PRO-DF” e também pela existência do“Termo de Acordo de Regime Especial – TARE.
Por sua vez, outros estados adotaram medidas pretendendo combater a concessão indevida dos benefícios, como por exemplo, a autorização para glosa de créditos, veiculado pelo Comunicado da Administração Tributária nº 36/2004,no estado de São Paulo. Por meio de tal regramento, as autoridades fiscais puderam desconsiderar o montante de crédito presumido concedido por benefícios listados ou não nos anexos do comunicado.
Já o ISS é disputado por municípios. A emenda constitucional 37 de, através da uniformização das possibilidades de alíquotas do referido tributo, pretendeu tornar desinteressante e mais limitada a disputa por contribuintes do ISS. Afinal, após a reforma constitucional os municípios apenas poderiam fixar as alíquotas entre 2% e 5%.
Mesmo assim, houve municípios contornaram a restrita possibilidade de movimentação das alíquotas abaixando então, o montante a ser considerado como base de cálculo do tributo. Lembrando que o valor de um tributo é igual a base de calculo multiplicada pela alíquota imposta, a redução do primeiro fator ou do segundo, conduz a resultados idênticos.
Combinada a essa estratégia –frisa-se, à margem da legalidade –, os municípios passaram a pleitear o valor dos tributos simplesmente por sediarem a sede administrativa de empresas, mesmo que a sede fosse apenas documental: locava-se uma caixa postal, ou declarava qualquer endereço como sendo sede naquela localidade e passava a gozar de tributação diferenciada, mas de forma ilegal. Ou seja, a sede de fato estava em outro município, mais perto do mercado consumidor ou com melhor infraestrutura, mas a sede, para efeitos documentais, no município de menor tributação.
Por seu turno, em mais uma batalha da guerra fiscal do ISS, municípios em desvantagem passaram a adotar medidas pretendendo coibi-la: São Paulo, por exemplo, editou o decreto 46.598/2005, que instituía cadastro contribuintes do ISS não-paulistanos que lá prestavam serviços, o cadastro exigia a apresentação inclusive de foto da faxada da sede da empresa não localizada naquela capital, tudo isso para comprovar que aqueles prestadores não eram domiciliados, de fato, em São Paulo.
O cadastro paulistano teve sua legalidade confirmada pelos tribunais, conforme a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ou seja, nestes dois exemplos verifica-se que a concessão de benefícios ilegais – maior arma da guerra fiscal– teve vida curta: certo tempo após a concessão ou fora derrubado pelos tribunais, ou foi contornado por medidas de outros atores da guerra fiscal.
De qualquer forma, o fato mais relevante aos contribuintes é que muitas vezes, após a derrubada judicial dos benefícios o prejuízo aos caixas públicos é cobrado dos contribuintes beneficiados, é o que ocorre por exemplo, com os beneficiados do Termo de Arrecadação em Regime Especial concedido pelo governo do Distrito Federal, em meados de 1999 até 2008, através de créditos presumidos. Atualmente o Ministério Público cobra judicialmente o montante do tributo que não fora efetivamente pago, sendo que os contribuintes beneficiados correm o risco de pagar integralmente o tributo, corrigido,atualizado e com multas pelo pagamento intempestivo. O valor a ser pago, hoje,supera em muito o valor que fora beneficiado.
Como se proteger da guerra fiscal
O auxílio de um advogado especializado na área tributária é indispensável. Tanto para o trato diário das relações com os fiscos, quanto para planejamento tributário.
No entanto, há regras importantes que os contribuintes de ICMS e ISS precisam ter em mente antes de contabilizar eventuais ganhos pela adesão em programas de benefício fiscal.
Quanto ao ICMS é necessário lembrar que por ser um tributo plurifásico (incidente em diversas fases da produção de uma mercadoria), se a transação envolver remessa interestadual, haverá a contribuição, ainda que por compensação, a todos os estados envolvidos. Exceto raríssimas exceções. Suas alíquotas são uniformizadas: variam entre 17-18%quando internas ao Estado (salvo exceções como a alíquota de 25% do Estado de São Paulo para serviços de comunicação, sobre os gêneros de bebidas alcoólicas,fumo e outras); As alíquotas interestaduais são ou 7% (remessa do sul/sudeste para o resto do país) ou 12% (remessa do resto do país para sul/sudeste). O crédito pago em uma transação anterior, se não for ilegal, pode e deve ser compensado nas transações seguintes.
Quanto ao ISS, tem-se que é devido no município onde se localiza o estabelecimento do prestador de serviço. A existência de sede meramente documental é fraude, que pode ser punida inclusive pelo pagamento do tributo com multas e outros acréscimos. As alíquotas do ISS variam necessariamente entre 2-5%. A sua tributação também pode ser proporcional, nos casos previstos em lei. A redução do quantum da base de cálculo é questão ainda não pacificada na jurisprudência, sendo atualmente um risco ao empresário.
Victor Gasparini, OAB/SP 338.315