Família de motorista que estava no grupo de risco e faleceu após retornar ao trabalho deve ser indenizada
A 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) reconheceu a responsabilidade civil de uma empresa de transporte coletivo pelo falecimento de um motorista, vítima de covid-19, apenas 18 dias após o retorno ao trabalho. Aos 49 anos, diabético, hipertenso e obeso, o trabalhador teve que retomar as atividades, por ordem da empresa, no momento em que o estado registrava altos índices de contágio e mais de 120 óbitos diários. Os desembargadores determinaram, por unanimidade, o pagamento de pensão mensal à viúva e à filha e indenização por danos morais fixada em R$ 500 mil. O pensionamento deve ser de R$ 2,3 mil, valor da última remuneração.
Em primeiro grau, o juiz da 3ª Vara do Trabalho de Passo Fundo avaliou que não foi comprovado ato ilícito por parte da empresa que justificasse a responsabilização civil. Segundo o magistrado, o empregador provou a adoção de medidas preventivas, como fornecimento de máscara e álcool em gel, além do afastamento do trabalhador, sem prejuízo da remuneração, durante o primeiro ano da pandemia.
A família recorreu ao Tribunal para reformar a decisão. Considerado o elevado grau de risco da atividade, conforme a Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), o retorno de um trabalhador pertencente a grupo de risco às atividades presenciais, bem como o fato de que não foi comprovado que a contaminação ocorreu fora do ambiente de trabalho, os desembargadores entenderam existente o nexo causal entre a morte e a atividade laboral.
Para o relator do acórdão, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso, era imprescindível que o empregado continuasse afastado do trabalho. Ele destacou que o retorno em fevereiro de 2021, em um ambiente com circulação de aproximadamente 400 pessoas por dia, atuou como fator de exposição direta à contaminação pelo coronavírus.
“Naquele momento crítico da pandemia no Rio Grande do Sul, entende-se que o trabalhador não poderia ter sido compelido a retomar suas atividades profissionais de modo presencial exatamente quando a disseminação do coronavírus se encontrava em ritmo acelerado” afirmou o magistrado.
O juiz ainda relembrou que a campanha nacional de imunização estava apenas iniciando. A vacinação, de forma escalonada para os grupos prioritários estabelecidos, segundo o cronograma do Ministério da Saúde, não havia sequer atingido a maioria da população.
Ao mencionar o direito constitucional à saúde e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o desembargador D’Ambroso ressaltou que o direito humano fundamental à vida e saúde do trabalhador não pode ceder espaço à função social da empresa.
“Sequer há nos autos prova de que a ré tenha viabilizado o retorno do trabalhador em função de menor risco, sem contato com o público, ou de que o trabalhador não pudesse ser substituído por outro empregado que não integrasse grupo de risco, ao menos até que as condições sanitárias, conforme dados estatísticos, fossem menos arriscadas e mais favoráveis ao retorno presencial”, concluiu.
Participaram do julgamento os desembargadores Luiz Alberto de Vargas e Brígida Joaquina Charão Barcelos. A empresa interpôs recurso de revista contra a decisão.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região